O Café do Fantasma Azul

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Impressionismo

Centro da cidade de São Paulo. Poderia descrever cada coisa enquanto caminho até a escola de cabeleireiros, e fazer como um pintor que joga cores numa tela e diz que aquele caos incompreensível é arte.

Subo três lances de escada rolante no metrô República. E topo com panfletos de promoções, de celular, de maquiagem. Outros pedem esmolas, e outros dormem enrolados em cobertores. Esses dormem durante o dia, no sol de rachar, sem saber que tantos outros andam de um lado para outro, atravessam a rua, cruzam com passos apressados diferentes caminhos, sem tropeçar no pavimento estraçalhado pelo uso incessante dos transeuntes que estão acordados. 

Como tem gente naquele trecho até a Rio Branco! Às vezes acho que toda São Paulo se reune todos os dias ali. Para onde vão aquelas pessoas de todas as tribos e cores, tamanhos e níveis, larguras e velocidades? Não sei. Os Beatles já se perguntaram também. E acho que a resposta não interessa tanto. O que interessa é o movimento da massa informe, indo e vindo, como se uma batedeira invisível jogasse-nos de um lado a outro, sempre e outra vez. 

Uma buzina, um cigarro atirado no chão, a seta do carro, o arranque do ônibus, o guarda de trânsito que auxilia um passante, o cuspe no chão, a conversa atrás de você. Nada destoa do caos que se apresenta, regado a cheiros podres, ventos frios de dentro dos prédios duvidosos, sujeiras que andam juntas, acompanhando os passos incertos das pessoas todas daquele trecho de avenida.

Tem gente que vê nisso poesia. Eu tenho nojo. Aquela mulher com placa de "vendo ouro" traz o banquinho e se senta, todos os dias, naquele lugar, bem no meio do meu caminho. Eu tenho que desviar. Dou uma olhada no fundo da rua. Lá tem o Teatro Municipal. Um dia vou querer conhecer os túneis que disseram haver ali. Mas sei que não vou nunca achar uma brecha no tempo para isso.

Eu também corro de lá para cá sem parar. Eu também esbarro meu braço molhado, cruzo minha cara amarrada, nos braços e caras de outras pessoas. Eu também me pergunto para onde estou indo, por que faço tudo o que faço. E mudo meus olhos para a árvore centenária no meio da Praça da República. Ela é linda, frondosa, sobretudo, silenciosa. Ela fica ali a embelezar, a testemunhar o caos, a me salvar do nojo da minha existência e das perguntas que faço e que sei que nunca vão ter resposta.