Hoje de manhã acordei cedo. Fui
até o morro do Maluf ver o mar lá de cima. Encostei-me à mureta e
tirei as sandálias. E então, ele me saudou furioso: jogava-se
contra as pedras, gritava blasfêmias ao vento, bradava injúrias às
poucas pessoas que o olhavam com espanto.
De onde vinha tanta força e
resistência, tanto ir e vir de emoções? Das profundezas
de seu ódio? Ou das entranhas de sua dor mais lancinante?
Levantava-se enérgico no ar e espirrava seu rancor em ondas ao céu,
qual baleia sufocada urgente emerge para respirar. As ondas jorravam
nas alturas e estilhaçavam-se em cores e pingos de chuva que, ao
descerem raivosas, avolumavam-se e voltavam a lavar as
pedras, a mureta, as almas.
Que revolta do mundo! Oh! Véu
d’água a debelar-se em tão premente movimento – infinito e
hipnótico. Destoava sua irritação branca e ressentida do azul calmo do céu, da hesitação das criancinhas a pisar nas
areias molhadas, da paz destemida das gentes que seguiam pela praia,
alheias às turbulentas águas, à tão melancólico sentimento. Até
a mim que pairava no tempo parada à mureta seu poder e mágoa
assustaram.
O embalo constante das altas ondas
me notou ali. Pressentiu o medo, a fragilidade e a solidão. Então,
o mar revolveu-se mais uma vez e me enviou espumas e respingos que
alcançaram meus olhos como um convite para sua dança de morte.
Depressa afastei-me da mureta e
vesti as sandálias. Saí de sua triste e poderosa presença sem
lançar-lhe um olhar de despedida.