O Café do Fantasma Azul

domingo, 3 de novembro de 2013

Poder e Melancolia

Hoje de manhã acordei cedo. Fui até o morro do Maluf ver o mar lá de cima. Encostei-me à mureta e tirei as sandálias. E então, ele me saudou furioso: jogava-se contra as pedras, gritava blasfêmias ao vento, bradava injúrias às poucas pessoas que o olhavam com espanto.



De onde vinha tanta força e resistência, tanto ir e vir de emoções? Das profundezas de seu ódio? Ou das entranhas de sua dor mais lancinante? Levantava-se enérgico no ar e espirrava seu rancor em ondas ao céu, qual baleia sufocada urgente emerge para respirar. As ondas jorravam nas alturas e estilhaçavam-se em cores e pingos de chuva que, ao descerem raivosas, avolumavam-se e voltavam a lavar as pedras, a mureta, as almas.



Que revolta do mundo! Oh! Véu d’água a debelar-se em tão premente movimento – infinito e hipnótico. Destoava sua irritação branca e ressentida do azul calmo do céu, da hesitação das criancinhas a pisar nas areias molhadas, da paz destemida das gentes que seguiam pela praia, alheias às turbulentas águas, à tão melancólico sentimento. Até a mim que pairava no tempo parada à mureta seu poder e mágoa assustaram.



O embalo constante das altas ondas me notou ali. Pressentiu o medo, a fragilidade e a solidão. Então, o mar revolveu-se mais uma vez e me enviou espumas e respingos que alcançaram meus olhos como um convite para sua dança de morte.



Depressa afastei-me da mureta e vesti as sandálias. Saí de sua triste e poderosa presença sem lançar-lhe um olhar de despedida.